quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Trabalho escravo não é aberração no Brasil


Bombou hoje no Facebook a história do trabalho escravo flagrado na fábrica da Zara. Aqui, de longe, achei que a coisa tivesse estourado via PF, em um dos muitos mutirões que o país tem feito desde o primeiro Governo Lula, para combater essa, que é a mais desumana de todas as práticas. O amigo Gil Alessi, que trabalha na produção do programa A Liga, da TV Bandeirantes, esclareceu que a denúncia fez parte, entre muitas outras, do episódio sobre escravidão contemporânea. Ele fez questão de frisar muito bem, que uma obra do Governo do Estado de São Paulo estava entre as promotoras de trabalho escravo.

Isso não surpreende. Não só por se tratar do PSDB, que gosta tanto de povo quanto eu gosto de tucano. Mas porque, como o próprio programa mostra, a escravidão no Brasil é instituição. Uma frase do advogado que foi ouvido pela reportagem deixa isso claro: “o infrator é notificado e obrigado a regularizar e indenizar todos os trabalhadores”. Cansado, o advogado vai além e diz que luta há anos para que os alojamentos flagrados como senzalas (o termo sou eu que aplico, mas acho que dentro do contexto vale) sejam estruturados, desapropriados e entregues aos trabalhadores. Tudo a custo do patrão. “Seria uma grande vitória”. De fato. Mas está longe de desestruturar a escravidão.

Se um trabalhador escravo insurgir contra seu senhor (voltando à história do contexto, ‘patrão’ aqui não cola, certo?) e matar o desgraçado, o que acontece? Trinta anos de reclusão por homicídio doloso, família desamparada, vida destroçada. Se alguém ajudar então, pode colocar formação de quadrilha na conta da delegacia.

Sinceramente? Promover trabalho escravo, pra mim, é crime pra paredão. Não existe desculpa nenhuma. Mas eu ainda sou um humanista e acho que o assassinato estatal não resolve nenhum problema. Além disso, como também mostrou A Liga, ironicamente, quem acabaria no paredão seriam os trabalhadores. Quem viu o programa com atenção percebeu que a bomba da Zara não estourou na mão da Zara, mas de uma coitada de uma boliviana que administra uma confecção no Bom Retiro. Ela, a responsável por contratar os coitados que ganham 7 reais por peça confeccionada – e pagam preço de loja se derem ponto sem nó –, vai ter que se atirar sobre a legislação trabalhista brasileira e regularizar seu negócio. O presidente da Zara? Esse, ninguém sabe, ninguém viu. Agora, se tivesse o paredão do trabalho escravo, adivinha quem estaria lá, de olhos vendados e cigarro tremilicando nos beiços? Garanto que não seria um branco de terno e gravata.

Então, concluindo: a escravidão no Brasil não é uma aberração do nosso capitalismo subdesenvolvido. É uma instituição muito bem aparada por uma teia legislativa que está longe de se desfazer. Enquanto os senhores de engenho contemporâneos tiverem a complacência da Justiça, eles certamente entenderão que o trabalho escravo vale muito a pena. Afinal, que pena?


Trecho do programa que mostra as conclusões da reportagem. Para ver a íntegra, clique aqui.

3 comentários:

Assino embaixo. Texto lucido e esclarecedor. Bela estreia para o blog que muito promete!

oi gabriel oi vanessa, que legal, um blog. um lugar onde se "monta" uma idéia inteira, sem aquele monte de curti isso - curti isso - curti isso. não é só o trabalho escravo ou quase morrer pra atravessar na faixa de pedrestes que são aberrações contemporâneas. facebook também não é? que legal, um blog. oba. vou ressussitar o meu.

Na avenida Rebouças tem um muro com a seguinte pixação: "Somos todos escravos do trânsito". Fazendo um ponte aérea com o tema proposto pelo blog, o Brasil é o país dos escravagismos. Escravos nos campos, nas carvoarias, fazendas, fábricas, escritórios e (por que não?), nas redações. Belo blog, bela estreia. Salve pro dois!

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