Pragmatismo eleitoral

Votos fazem gestores da situação. Mudanças estruturais se fazem com armas

Feminismo pra macho ver

Pseudo-ativistas do Femen: discurso elas não têm, mas pose...

A exceção que confirma a regra

A polícia brasileira é sádica, psicótica e trabalha a serviço da bárbarie

Kassab é fresquinho porque vende mais

O abandono de São Paulo é só uma questão de ponto de vista

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Voto adapta a situação, mas não promove revoluções


O fracasso do projeto neoliberal nos dez anos que seguiram a queda do muro de Berlim criou um fenômeno curioso, que foi a centralização da esquerda. Depois que as teorias do fim da história se mostraram infundadas, com a continuidade da luta de classes em um mundo pós-guerra fria, o próprio capital começou a enxergar a antiga esquerda marxista como uma alternativa factível ao neoliberalismo exacerbado.

A esquerda, descrente do seu antigo potencial revolucionário, mas ainda próxima de suas bases marxistas (sindicatos, movimentos sociais etc.) assumiu o papel de gestora, entre o capital internacional e os movimentos sociais. Isso aconteceu com o Partido Socialista aqui na França, aconteceu com o PT no Brasil. Assim, deslegitimou-se a luta armada, as agressões contra o capital internacional, o próprio direito soberano de os povos defenderem seu território de ameaças externas, bélicas ou econômicas.

Qualquer afronta contra o patrimônio ficou inaceitável. Entramos na era das manifestações pacíficas, na era em que destruir laboratório da Monsanto não é considerado legítimo - mesmo que seu milho transgênico cause câncer em 100% dos ratos em que é testado. Morreu o radicalismo, morreram as mudanças estruturais. Nos últimos anos, o único país que sofreu mudanças estruturais foi a Venezuela, onde a esquerda - criticável ou não - não assumiu o papel de gestora do conflito de classes em nome da soberania do capital.

O sistema pseudo-democrático em que vivemos, este sistema em que o Estado amacia a sociedade para a plena aplicação dos interesses do capital, este sistema não prevê mudanças estruturais.

Se vocês querem educação de qualidade para todos, tem que começar a destruir universidade privada, tem que pensar numa via mais agressiva de atuação. Isso não virá, em hipótese alguma, do poder público. Do poder público, só podemos esperar paliativos. Eu vou votar nos melhores paliativos: prouni (falar que o prouni só beneficia dono de faculdade vagabunda é um atestado de quem não põe um pé pra fora de sua redoma burguesa), cotas, bolsa-família, bilhete único (com Haddad, mensal). Se for pra pensar em mudanças estruturais, aí tenho que tocar fogo nas coisas - elas não virão do governo, na forma como ele está configurado.

Vou de Haddad não porque tenho fantasias de reorganização democrática mas porque, apesar de todos os podres do PT no governo, foi ele o partido que exerceu o poder de forma mais plural e democrática. Revolução se faz com armas. O voto elege gestores da situação estabelecida. Alguns agravam a situação, outros a tornam mais suportável. Foi o caso da gestão Erundina, que pela primeira vez encarou o problema da moradia em São Paulo e estabeleceu o primeiro plano organizado de transporte público metropolitano. Foi o caso da gestão Marta Suplicy, que criou os Céus e o Bilhete Único. Foi o caso da gestão Haddad, que criou o ProUni no Governo Federal, foi o caso da gestão Lula, que passou ao largo da crise do capital internacional pelo fortalecimento das nossas divisas; o Governo Lula, que deu o que comer a quem não tinha; o governo Lula que estabeleceu o Brasil como um ator sério e importante no plano internacional.

O Mensalão é vergonhoso, mas é um grão de areia. E é um grão de areia que não se encontra só na praia do PT, mas neste arquipélago que é a política brasileira. Acho que se tivéssemos vasculhado antes, teríamos descoberto o Mensalão na Primeira República... Quiçá antes. Ou nos esquecemos que Fernão Carrilho pagou todos os senhores de engenho de Pernambuco para aprovar a contratação dos bandeirantes de Domingos Jorge Velho para desbaratar o Quilombo dos Palmares, em 1690? Alias, tem pouco tempo que o Fernão Carrilho de hoje, o Geraldo Alckmin, convocou os bandeirantes de hoje, a Tropa de Choque da Polícia Militar, para desbaratar o quilombo do Pinheirinho, não é? Do mesmo jeito que outro Fernão Carrilho, inventado por José Serra, soltou seus bandeirantes contra a favela Moinho, a favor da especulação imobiliária.

Eu prefiro votar em alguém que, se não bate de frente com a Metrópole de hoje em dia, o capital internacional, pelo menos não solta os cachorros sobre os descendentes de escravos. Como eu.

Imagem: "Molotov Cocktail". Acrilíco sobre tela de Alexander Kosolapov, 1989

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Femen inventa a moda do feminismo machista



Dez e meia da matina e os jornalistas já se aglutinavam na porta do metrô Château Rouge. O bairro, conhecido pela concentração de imigrantes africanos, vive lotado e o movimento de lentes e microfones foi logo notado.
- O que vai acontecer? é manifestação?
- São as ucranianas do Femen.
-Ah, são umas que tiram a roupa? (pausa para a malícia) Vou ficar pra ver.
A reação é esperada. É com esse apelo que as meninas do Femen contam. “Não interessa porque eles olham. O importante é chamar a atenção”, diz Eloïse Bouton. Mas as frases pintadas pelo corpo parecem só servir para uma coisa: atrapalhar a apreciação sedenta dos machões.
Já passa das 11h quando as meninas chegam. Tiram as jaquetas e camisetas e descem a rua gritando “O Femen é o novo-feminismo”, “peladas e vencedoras”, “Liberdade, nudez” e por aí vai. Diferente do braço brasileiro, a turma francesa é até que bem colorida. Tem orientais, negras, árabes. Mas a comissão de frente é loira.
Além das poses pras câmeras e das gargalhadas dignas de propaganda de pasta de dente uma motosserra arrematou o fetichismo dessa manhã. Na porta da associação, a representante ucraniana Inna Shevchenko usou a ferramenta para arrebentar com duas ripas de madeira que travavam a porta do teatro Lavoir Moderne de Paris, que – reza a lenda – foi emprestado ao grupo.


Uma legião de homens vinha atrás. Lembrou os episódios em que a mulher Pêra aparece no centro de São Paulo pra fazer campanha política. Alguém pergunta sobre plano de governo?
Nada contra peitinhos à l’air. O problema é o gosto de mercadoria. Nada contra a motosserra, se a loiraça não pintasse sozinha uma cena tarantinesca. A questão também não é o termo “a-político”, mas a fraqueza do discurso pró-mulher; nem “neofeminismo”, desde que algo fosse proposto em relação aos “outros feminismos”.
Segundo Inna, a nudez plástica – que parece um grande clichê e um reforço caliente aos velhos hábitos machistas da sociedade – tem como objetivo mudar o olhar das pessoas sobre o corpo das mulheres. Na coletiva de Imprensa, ela diz que o negócio é ação. Que há muito blablabla e ninguém age. A ucraniana de 22 anos diz que o grupo vai montar um “exército nu” para “renovar o feminismo francês”. “Queremos parecer femininas e  ainda dizer algo”. De acordo com a ala francesa do movimento, “nós precisamos disso”. Eu acho que não.
Em uma entrevista ao Libération, jornal de esquerda na França, Inna sintetiza o pensamento do movimento: “queremos mostrar que as feministas não são velhas mulheres escondidas atrás de seus livros”. Simô de Bouvoir vomitou onde quer que esteja, Frida arrancou o bigode com a mão e eu deixei o meu crescer só de raiva.
Quando nesse mundo um movimento se fez sozinho, sem o auxílio de uma boa reflexão? Vamos começar a confundir movimento social, reivindicação, com viral de publicidade?
Em São Paulo, por exemplo, o pessoal do Banco Mundial da Genitália tá convidando uma galera a tirar a roupa para mostrar que orgão sexual não é bicho de sete cabeças. O discurso e as fotos são taxados de “agressivos”. Os três artistas envolvidos têm espalhado pela cidade cabines para fotografar a genitália alheia e assim, instigar a quebra dos tabus que rondam esse amontoado de pelos, pele e suas deliciosas terminações nervosas. O trio tem discurso, embasamento e a genitália fotografada nem precisa ser "bonitinha".
Já o Femen anuncia em Paris um centro de formação moral e física de soldadas da nudez. Recentemente, a ex-ativista Bruna Themis declarou ao Opera Mundi que o movimento não tem demandas políticas e ainda rejeita mulheres acima do peso. “O movimento no Brasil está sem propostas, sem perspectivas, sem embasamento teórico. O Femen Brazil está perdido, sem rumo algum”.
O que disse a Bruna deu pra desconfiar antes. E ver durante e depois. As demandas são mal delimitadas e têm a cara das propostas de governo russomânnicas: voz doce, sorrisinho de bom samaritano e zero conteúdo.
Quando jornalista aperta, o bicho pega. As ativistas que nunca se envolveram nem com política de bairro tremem na base se precisam entrar no assunto. Os olhinhos começam logo a buscar outro repórter, menos arteiro, pra salvá-las dali. No final, umas dizem que o movimento é completamente apolítico. Outras garantem que política tem tudo a ver e que quem oferecer apoio às causas (?) do Femen terá também o apoio da – agora oficial – associação. Um desencontro.
No Brasil, ou Brazil, já que falamos do Femen, Sara Winter – que seria simpatizante do marido exemplar que foi Hitler –  não se envolve em política. Mas seu assessor é candidato a vereador pelo PMN, em Santo André e cita o Femen como uma de suas atividades militantes.
No fim, mais importante do que entender o que realmente é (ou não é) o Femen é lutar contra a ideia de grife que esse “neo-feminismo” impõe. As mesmas frases. As mesmas flores no cabelo. O mesmo tipo físico. O Femen esvazia anos de militância, reflexão e resistência e reduz tudo a meia hora de show pra adultos.

Share

Twitter Delicious Facebook Digg Stumbleupon Favorites More